segunda-feira, 28 de outubro de 2013

OS BEAGLES.......


  • Li e gostei!

    Jornal da Cidade de Bauru - 27/10/13 05:00 - Opinião1
    Os beagles
    Zarcillo Barbosa
    Quando a gente está doente fica feliz com o remedinho porreta, capaz de nos devolver a saúde. Ninguém quer saber se aquela injeção milagrosa, antes de chegar ao mercado, foi testada em macaquinhos, cachorrinhos ou ratinhos. A vacina contra a raiva, por exemplo, foi desenvolvida por Louis Pasteur (1885) e já salvou milhões de vidas e continuará salvando. Foi desenvolvida com o sacrifício de centenas de cobaias até que o cientista comprovasse sua eficácia. Todos sabem que os medicamentos, e até os cosméticos, passam por uma série de testes. E, infelizmente, envolvem experimentos com animais. Há quem veja nisso crueldade.

    A velha polêmica ressurge com a notícia sobre a invasão de um laboratório usado por empresas farmacêuticas para testes científicos em cães da raça beagle. A atitude dos ativistas de resgatar os irmãos de sangue do Snoopy, de Charlie Schulz, denota que estamos pautados por sentimentos morais e “direitos” exigidos em nome dos não humanos. Sem desconsiderar que a experimentação de medicamentos em animais traz benefícios à humanidade, a discussão sobre os direitos dos chamados “irracionais” poderia ser levada ao patamar de argumentos melhor ponderados. Por exemplo: sobre a redução da amostragem em cobaias, menor consumo de carne e o abate indolor dos animais.

    Critérios razoáveis são deixados de lado para que o mais espontâneo sentimento se manifeste e provoque manifestações com boas imagens na tevê. Graças à tecnologia, hoje temos softwares que simulam reações químicas e biológicas, modelos matemáticos e experiências in vitro que tentam resolver o problema, sem extinguir completamente a necessidade de experimentos em seres vivos.

    Metade dos 30 bilhões de dólares destinados à pesquisas científicas de interesse da saúde, nos Estados Unidos, é consumida em trabalhos que incluem experimentos em animais. Lá, a reação também é grande. Articulista da seção científica do “Times”, comentando a notícia do Brasil opina que as drogas deveriam antes ser testadas em computadores, depois em tecidos humanos e daí sim, em seres humanos. Há drogas que você pode tomar e o seu irmão não pode. A Talidomida (1957) chegou ao mercado como um “santo remédio” contra o enjoo matinal das mulheres grávidas. A substância sedativa foi testada exaustivamente em cobaias. Milhares de crianças no mundo inteiro nasceram deformadas porque um princípio ativo do medicamento impede a formação de braços e pernas. Os ratinhos de laboratório metabolizavam a droga de forma diferente dos humanos, por isso não acusaram problemas. Outro fato: os animais não desenvolvem aids de jeito nenhum. Se os cientistas descobrirem porquê, os grupos de risco e milhões de afetados estarão livres desse flagelo. O amor será menos perigoso.

    Por causa da nossa natureza egocêntrica e a legitimação dada pela Bíblia (Gênesis), acreditamos que somos “feitos à imagem e semelhança do Criador”. Dado este privilégio todo o resto das coisas vivas estão aqui para o nosso desfrute e prazer. Veja o foie gras, fígado do ganso engordado à força mediante um tubo enfiado garganta a baixo para introduzir super rações de milho. O gado ainda é morto à marretadas na maioria dos frigoríficos. Um casaco de pele é construído com o sacrifício de, pelo menos, 300 chinchilas. Filhotes de foca são mortos com o crânio estraçalhado por bastões de beisebol, para ter a pele arrancada enquanto ainda agonizam. A “moda” custa caro ao bolso das elegantes e, a vida, aos animais esfolados.

    No Vietnã, ursos são estressados para que sua vesícula fique doente e dela se extraiam a bílis que eles acreditam curar doenças. Rinocerontes em extinção são mortos só para a retirada do chifre. Vira afrodisíaco uma vez transformado em pó. O chinês goza e o bicho morre. Redes de arrasto varrem o fundo dos mares pelos barcos de pesca e destroem todo o ecossistema. Mais de 60% dos peixes pescados no mundo vão para o lixo. Há muito trabalho urgente para os ativistas, além dos beagles. Nem Darwin, com sua Teoria da Evolução das Espécies, conseguiu convencer o ser humano que ele está na mesma lei que governa as espécies animais. Por coincidência, o navio de pesquisas de Darwin chamava-se Beagle (cão farejador).

    Esse negócio de que somos a única espécie que raciocina, lá em casa não funciona. Quando Wladimir, um dos quatro cachorrinhos da minha mulher faz xixi no tapete, ele corre para se esconder da mãe humana, porque sabe que fez malandragem.

    O autor, Zarcillo Barbosa, é jornalista e articulista do JC

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