Li e gostei!
Jornal da Cidade de Bauru - 27/10/13 05:00 - Opinião1
Os beagles
Zarcillo Barbosa
Quando a gente está doente fica feliz com o remedinho porreta, capaz de
nos devolver a saúde. Ninguém quer saber se aquela injeção milagrosa,
antes de chegar ao mercado, foi testada em macaquinhos, cachorrinhos ou
ratinhos. A vacina contra a raiva, por exemplo, foi desenvolvida por
Louis Pasteur (1885) e já salvou milhões de vidas e continuará salvando.
Foi desenvolvida com o sacrifício de centenas de cobaias até que o
cientista comprovasse sua eficácia. Todos sabem que os medicamentos, e
até os cosméticos, passam por uma série de testes. E, infelizmente,
envolvem experimentos com animais. Há quem veja nisso crueldade.
A velha polêmica ressurge com a notícia sobre a invasão de um
laboratório usado por empresas farmacêuticas para testes científicos em
cães da raça beagle. A atitude dos ativistas de resgatar os irmãos de
sangue do Snoopy, de Charlie Schulz, denota que estamos pautados por
sentimentos morais e “direitos” exigidos em nome dos não humanos. Sem
desconsiderar que a experimentação de medicamentos em animais traz
benefícios à humanidade, a discussão sobre os direitos dos chamados
“irracionais” poderia ser levada ao patamar de argumentos melhor
ponderados. Por exemplo: sobre a redução da amostragem em cobaias, menor
consumo de carne e o abate indolor dos animais.
Critérios
razoáveis são deixados de lado para que o mais espontâneo sentimento se
manifeste e provoque manifestações com boas imagens na tevê. Graças à
tecnologia, hoje temos softwares que simulam reações químicas e
biológicas, modelos matemáticos e experiências in vitro que tentam
resolver o problema, sem extinguir completamente a necessidade de
experimentos em seres vivos.
Metade dos 30 bilhões de dólares
destinados à pesquisas científicas de interesse da saúde, nos Estados
Unidos, é consumida em trabalhos que incluem experimentos em animais.
Lá, a reação também é grande. Articulista da seção científica do
“Times”, comentando a notícia do Brasil opina que as drogas deveriam
antes ser testadas em computadores, depois em tecidos humanos e daí sim,
em seres humanos. Há drogas que você pode tomar e o seu irmão não pode.
A Talidomida (1957) chegou ao mercado como um “santo remédio” contra o
enjoo matinal das mulheres grávidas. A substância sedativa foi testada
exaustivamente em cobaias. Milhares de crianças no mundo inteiro
nasceram deformadas porque um princípio ativo do medicamento impede a
formação de braços e pernas. Os ratinhos de laboratório metabolizavam a
droga de forma diferente dos humanos, por isso não acusaram problemas.
Outro fato: os animais não desenvolvem aids de jeito nenhum. Se os
cientistas descobrirem porquê, os grupos de risco e milhões de afetados
estarão livres desse flagelo. O amor será menos perigoso.
Por
causa da nossa natureza egocêntrica e a legitimação dada pela Bíblia
(Gênesis), acreditamos que somos “feitos à imagem e semelhança do
Criador”. Dado este privilégio todo o resto das coisas vivas estão aqui
para o nosso desfrute e prazer. Veja o foie gras, fígado do ganso
engordado à força mediante um tubo enfiado garganta a baixo para
introduzir super rações de milho. O gado ainda é morto à marretadas na
maioria dos frigoríficos. Um casaco de pele é construído com o
sacrifício de, pelo menos, 300 chinchilas. Filhotes de foca são mortos
com o crânio estraçalhado por bastões de beisebol, para ter a pele
arrancada enquanto ainda agonizam. A “moda” custa caro ao bolso das
elegantes e, a vida, aos animais esfolados.
No Vietnã, ursos
são estressados para que sua vesícula fique doente e dela se extraiam a
bílis que eles acreditam curar doenças. Rinocerontes em extinção são
mortos só para a retirada do chifre. Vira afrodisíaco uma vez
transformado em pó. O chinês goza e o bicho morre. Redes de arrasto
varrem o fundo dos mares pelos barcos de pesca e destroem todo o
ecossistema. Mais de 60% dos peixes pescados no mundo vão para o lixo.
Há muito trabalho urgente para os ativistas, além dos beagles. Nem
Darwin, com sua Teoria da Evolução das Espécies, conseguiu convencer o
ser humano que ele está na mesma lei que governa as espécies animais.
Por coincidência, o navio de pesquisas de Darwin chamava-se Beagle (cão
farejador).
Esse negócio de que somos a única espécie que
raciocina, lá em casa não funciona. Quando Wladimir, um dos quatro
cachorrinhos da minha mulher faz xixi no tapete, ele corre para se
esconder da mãe humana, porque sabe que fez malandragem.
O autor, Zarcillo Barbosa, é jornalista e articulista do JC
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